Texto elaborado par o curso da FURG sobre Paz e Educação
O que está no registro de contingência e, portanto, de infinitas variações permite a elaboração ou emergência, no campo filosófico, de novos significados que possam religar o ser humano e a natureza, e de mutações humanas plurais sobre um pano de fundo de pensamento livre e ciência aberta. Uma verdade terna permitirá então perlaborar as antigas afirmações finitas: ditas eternas, imutáveis, nas quais lógica e efeito se combinavam para perpetuar práticas prejudiciais, autoritárias e castradoras – no campo da pesquisa – como o julgamento e a condenação de Galileu, Giordano Bruno e tantos outros. Essas práticas mantiveram a circulação de pesquisas falsas, mas úteis; como a planicidade da terra, por exemplo.

O que parece eterno e imutável na filosofia não é a verdade em si, mas o questionamento do significado dessa verdade e o confronto racional e emocional entre um texto e seu contexto.
Como podemos pensar juntos sobre uma verdade terna? Uma verdade que cura, protege e estimula a evolução humana em um contexto individual e coletivo? Uma verdade doce, porque transcende o contexto, pensa no significado das inclusões e na forma mais apropriada de articular um texto ao seu contexto? Uma verdade afetiva e afetada, que permite mutações humanas sensatas? Uma verdade amável que evita hipocrisia e negociações sórdidas quando os resultados são publicados?
Devemos propor uma psicanálise da metafísica em teologia, política, economia e filosofia?
De fato, a dificuldade de retomar as pesquisas filosóficas no contexto transdisciplinar contemporâneo consiste em propor a possibilidade de uma transcendência, mas que emerge de dentro, imanente, em um contexto situado, contingente e não previsível antecipadamente. A possibilidade de uma transcendência incerta, mas possível, vinda de dentro do humano: transcendência como imanência, o verbo de nossa afetividade, esta “revelação oculta”. A fenomenologia designa esta revelação oculta como a essência imanente do ser: “o ser do sentir reside primeiro e unicamente, e só pode ser encontrado nesta unidade interior original, na estrutura da imanência como tal”. [1]
Hoje em dia, a fé é frequentemente lida pela psiquiatria como uma tendência esquizofrênica da pessoa humana. Pois a transcendência, tradicionalmente emerge do exterior, como exterioridade. Entretanto, o trabalho de Michel Henry mostra que é sua imanência, sua vida interior e, além disso, sua afetividade que permitirá ao ser humano superar a si mesmo, transcender sua condição, revelar-se como algo diferente de um mecanismo hipercomplexo. É dentro de si mesmo e não fora de si mesmo que a possibilidade de superar-se existe, de aprender, de criar, de fazer sentido: de compreender-se e compreender-se melhor, a partir da afetividade experimentada. “A descoberta da essência absoluta consiste neste estado oculto que é seu ser próprio e é constituído por ele. Por isso, porque o ser oculto da essência, não sua percepção da luz, constitui como tal, em sua noite, na noite essencial da essência, sua revelação e a efetividade de sua fenomenalidade, sua “verdade”, “A verdadeira luz brilha na escuridão mesmo que não se a note”. [2]
De fato, do ponto de vista fenomenológico descrito por Michel Henry, a transcendência resulta da imanência, é o resultado de uma superação de dentro para fora, do invisível mundo subjetivo imanente que interage com as contribuições do mundo exterior, ela é realizada graças à porção de descobertas que esta interface sensível e luminosa entre o interior e o exterior torna possível.
Assim, o fenômeno humano da linguagem situa-se como uma interface que aparece no mundo no modo de uma conexão sensata, carregando uma realidade imanente, uma consciência e uma capacidade transcendente: uma verdade terna compartilhada, na fonte da evolução humana, que assim assumiria um escopo metafísico.
De fato, esta relação entre si e os outros através da linguagem é o que torna possível a mutação humana; graças ao diálogo da vida interior com a alteridade matizada com afetividade.
É assim que a mutação humana é portadora de uma verdade terna: ela é dotada de uma faculdade linguística instituinte, inovadora, no universo contingente e atuante da historicidade da pessoa. A dimensão linguística transcendente da mutação reside assim em seu caráter doce e conciliador: caráter inovador.
A justiça, segundo Aristóteles, consiste em perdoar a raça humana, um perdão que é possível quando compreendemos a origem do mal e conseguimos corrigir justamente, através do diálogo, os erros que o mal provocou: a exclusão de alguns do processo evolutivo.
Errare humanum est.
Considerando todas as dificuldades acima mencionadas e os problemas que elas levantam no campo científico e filosófico, parece importante pensar na relação entre as mutações da espécie humana; sua evolução, sua plasticidade e a legislação em vigor, a fim de favorecer uma transposição humana: a articulação sensata e plástica do texto em seu contexto, que autoriza esta evolução graças a uma verdade terna e que, portanto, adquire um alcance metafísico.
Mar Thieriot in Les mutations humaines, Amalthée, France, 2016.
Mar Thieriot in Les mutations humaines, Amalthée, France, 2016.
Bibliographie consultée Quatrième partie
HENRY, Michel, L’essence de la manifestation, PUF, France, 1963.
HUSSERL Edmund, Idées directrices pour une phénoménologie, Gallimard, France, 1950,
LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm, Essais de théodicée, Garnier Flammarion, France, 1969.
LEVINAS Emmanuel Le temps et l’autre PUF, France, 1993
[1]Michel Henry in l’essence de la manifestation, opus cit p. 764
[2]HENRY, Michel, ibidem p.552
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